quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Carta Aberta para Clóvis Reis sobre Mobilidade Urbana

Caro Clóvis Reis

Costumo ler e ouvir muitos absurdos na imprensa local, mas nunca tive a mínima vontade de responder formadores de opinião como Tonet, Ostermann e Alexandre José. Não respondo porque sempre desconfio de que as coisas que eles dizem, não se tratam necessariamente de suas opiniões, mas estes absurdos são maneiras de gerar polêmica e permitir a circulação de uma leitura muito rasteira de sociedade

Mas quando li seu artigo em defesa dos automóveis intitulado “Aumento da área Azul” senti a necessidade de me manifestar. Se escrevo é porque sei que sua opinião é sincera e que você, assim como outros, foi sendo obrigado a utilizar o automóvel privado na medida em que as outras possibilidades de locomoção foram sendo restringidas. Além disso, sei que em uma sociedade em que a regra é sobrepor os interesses privados sobre os interesses coletivos, a confusão entre direitos e privilégios é uma constante.

É para garantir os privilégios do teu carro que admitimos a morte anualmente de um milhão de pessoas no trânsito mundialmente, sem contar as mortes decorrentes de doenças ligadas a poluição atmosférica. Por isso, não basta campanhas moralistas que centram o problema na juventude e no consumo de bebidas, pois o carro em sua essência é uma grande massa de metal se arremessando sobre outros carros e pessoas. Atualmente qualquer deslocamento na cidade implica esquivar-se destas máquinas de destruição.

Para garantir os privilégios do teu carro é que foram reduzidos os espaços de convivência pública nas cidades. Seu barulho é constante, seu gás é sufocante e somente o espaço que ocupa para o estacionamento é muito superior a área que a maioria das pessoas do planeta utilizada para viver.

Para garantir os privilégios do teu carro é que a Furb precisou comprar e devastar os terrenos que circundam a Universidade. E como se não bastasse, para garantir seu conforto e sua segurança toda a cobertura do espaço foi tomada por pedra e cimento, impedindo a existência de ambientes humanamente mais agradáveis com gramados, árvores de sombreamento, bancos e mesas em lugares onde as pessoas possam ter uma sociabilidade saudável (como é comum nas grandes Universidades). Além disso, esta minoria que faz uso do carro para se deslocar para a Furb, impossibilita a existência de um terminal de ônibus que garantiria o acesso dos alunos e servidores de Blumenau e das cidades vizinhas;

Para garantir os privilégios do teu carro é que a Furb e o Giassi construíram a passarela sobre a Rua Antônio da Veiga, já que valoriza o fluxo dos automóveis e torna a vida do ciclista e pedestre ainda mais complicada. Se subir pela passarela é preciso caminhar um trecho de pelos menos uns 60 metros a mais. Se insistir em atravessar pela faixa corre-se o risco de ser atropelado, já que com a passarela, ocorreu um aumento da velocidade naquele trecho.

Em nenhuma sociedade deste planeta estes privilégios podem ser vistos como direitos. O automóvel privado, assim como as mansões na beira do mar, não pode ser universalizado e por isso a defesa de seu uso é imoral. Além disso, está mais do que provado de que a saída para os problemas de mobilidade não significa a construção de mais vias para circulação. Tais empreendimentos são resoluções provisórias e têm um alto custo econômico, social e principalmente, ambiental.

Apesar disso, não acho que tenhamos que acabar completamente com o automóvel privado em nossa sociedade contemporânea. Mas tenho certeza que o seu uso precisa ser duramente restringido e aqueles que querem garantir a permanência de tais privilégios, precisam pagar por isso. Muitas cidades que investiram em uma mobilidade urbana humanizada, aumentaram significativamente a tributação na produção, compra e circulação de automóveis. Afinal, se seu uso é privado, seus custos não podem ser socializados em detrimento da maioria da população. Diante disso, sou favorável a maior taxação do uso do automóvel em Blumenau. E quero dizer mais: que os impostos cobrados dos proprietários de automóveis sejam revertidos a fundos públicos de mobilidade. Tal medida permitiria um investimento significativo no transporte coletivo, nas ciclovias e na humanização das nossas cidades.

Abraços,

Ricardo Machado



Retirado do Blog: umescambau

Matéria de Clóvis Reis no SANTA

Ricardo Machado, é professor de História da FURB.

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