terça-feira, 10 de maio de 2011

O faz de conta da mobilidade em Blumenau

A cerca de uns 4 meses fui convidado pelo SINSEPES a escrever uma matéria no Jornal Expressão Universitária, que aceitei. Hoje chegou a edição de maio do jornal, onde foi publicado o texto que escrevi:






O faz de conta da mobilidade em Blumenau

Uma análise das medidas do poder público no setor de mobilidade urbana revela falhas, abandono e falta de compromisso com ciclistas, cadeirantes e pedestres

Carlos R. Pereira, historiador e ciclista, autor do blog bicicletasdovale.blogspot.com/

O programa de aluguel de bicicletas públicas foi cancelado em Blumenau no início de 2011 sob o argumento de que a burocracia para se cadastrar e utilizar o serviço estaria impedindo o crescimento do número de usuários. Concordo que este possa ser um dos motivos, mas sistemas parecidos são usados em diversos lugares e não por isto foram abandonados – inclusive, estão recebendo incentivo. Um exemplo está no Rio de Janeiro, que curiosamente usa o mesmo programa e está aumentando seu sistema cicloviário, ampliando o número de estações e integrando o aluguel das bicicletas a outros modais de transporte.

Em Blumenau, de fato, o maior motivo foi o desinteresse político: poucas e mal posicionadas estações, raros incentivos e a inexistência de um verdadeiro sistema cicloviário. Há muito se vem falando na esfera pública em implantar mais de 140 quilômetros de ciclovias interligadas na cidade, mas após uma década não temos ainda nem 50 quilômetros, estes se constituem aos pedaços, sem ligação segura entre eles nem manutenção adequada.

Constatamos a falta de um plano cicloviário de longo prazo, com a construção de “ciclovias” sem o mínimo critério ou acompanhamento de técnicos interessados e competentes. Os maiores interessados, os ciclistas, não são ouvidos.

A construções de ciclovias importantes são impedidas em nome de um aparente bem estar econômico de alguns comerciantes, que na verdade poderiam ser os maiores beneficiados com o aumento de fluxo de ciclistas em frente ao seu estabelecimento, já que estes transitam de forma mas lenta e, portanto, tem mais facilidade em perceber determinadas lojas.

Mas o problema não se resume apenas aos acessos cicloviários. Os planos de mobilidades, infelizmente, não tem continuidade, não contemplam por completo as pessoas. Atualmente, o carro está perdendo um pouco de espaço para os ônibus através dos corredores exclusivos. A frota de ônibus com acessibilidade cresce aos trancos e barranco por conta de leis federais, mas calçadas e ciclovias estão sendo vítimas de engodos. De que adianta um ônibus com acessibilidade se o cadeirante não tem como se locomover nas calçadas? De que adianta uma calçada compartilhada se esta não dá segurança para o uso de pedestres, cadeirantes e nem ciclistas?

As calçadas compartilhadas são um caso a ser revisto. Este tipo de acesso cicloviário tem que ser muito bem planejado, muitas vezes com o alargamento da calçada, para que não haja perda para o pedestre. Acima de tudo, necessitam de um sistema de sinalização eficiente. Um caso já existente é a calçada da Beira Rio – no trecho entre a Ponte Adolfo Konder e a prefeitura municipal – que foi alargada, mas que nunca teve seu projeto finalizado. Os postes na parte destinada aos pedestres (pavers cinzas) prejudicam o deslocamento, forçando os mesmos para a parte dos ciclistas (pavers vermelhos). A sinalização que informa sobre as áreas preferenciais são escassas, boa parte da população nem sabe que ali há uma ciclofaixa. Os rebaixos das calçadas estão errados, não são rentes a via, deixando um desnível, prejudicando o acesso de ciclista e cadeirantes. Atualmente, a prefeitura está fazendo a segunda parte da reurbanização da Beira Rio. Mas os erros da primeira parte não foram sanados e alguns deles estão sendo repetidos.

Já a marcação nas calçadas da Rua Sete de Setembro vai contra uma mobilidade eficiente. As marcações da ciclovia em alguns pontos não têm 1 metro de largura, espaço mínimo necessário para ser usado por um ciclista de acordo com o Ministério das Cidades – que recomenda um mínimo de 1,20 metro para ciclofaixas em sentido unidirecional. No caso da Rua Sete, a marcação com as duas linhas vermelhas mudam conforme a calçada, não foram feitos acessos adequados para ciclistas e cadeirantes, há locais em que o espaço não é suficiente para que uma bicicleta e um pedestre passem lado a lado. Da forma que foi feita, a ciclofaixa elimina a principal vantagem da bicicleta: a sua agilidade no meio urbano.

Já as novas marcações com pavers da reurbanização da Rua Sete, próximo ao cruzamento com a Floriano Peixoto, têm trechos de 1 metro e 1,10 metros, espaço abaixo do mínimo recomendado para uma ciclofaixa unidirecional. As marcações de travessia de via já pintadas de vermelhas sobre as faixas de pedestre colocam o ciclista em situações de perigo: é possível dar de cara com placas, boca de lobo, meio fios, sinaleiros e canteiros.

Em outras parte da cidade a mobilidade de ciclistas, pedestres e cadeirantes é prejudicada pela falta de manutenção e fiscalização das calçadas – isto quando há calçada. Em áreas onde há ciclovias ou ciclofaixas, a falta de calçadas em bom estado, área segura para pedestres e cadeirantes, faz com que estes optem por usar as áreas destinadas à bicicletas. Exemplos ocorrem nas ruas 25 de Julho (Itoupava Norte), Antônio Treis (Vostard), entre muitas outras. Invertendo o problema, mas motivados pela mesma causa, falta de segurança, os ciclistas invadem as calçadas, já que não são respeitados na via pelos condutores de carros, ônibus e motos.

Muitas áreas cicláveis foram construídas com descaso dos órgãos públicos responsáveis. Se alguém passar pela Rua Profº Hermann Lange, no Fidélis, verá uma obra feita sobre supervisão da administração municipal, onde há postes, placas, ausência de rebaixos, pontos de ônibus, desníveis, bocas de lobo e muitas outras barbaridades que inviabilizam tanto a calçada e a ciclofaixa como locais seguros.

Infelizmente parece que, quando se fala em plano de mobilidade, a administração blumenauense vem há tempos fazendo “um faz de conta”. Planos de mobilidade que não abrangem por completo a busca de uma cidade verdadeiramente mais humana e coletiva, única solução para os problemas gerados pela individualização dos meios de transporte.

Um comentário:

  1. Muito bom o artigo. E só pra complementar o último parágrafo, ouso dizer que há tempos, a administração blumenauense está num "faz de conta" em diversas áreas, como o esporte, a educação e a saúde.

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